11/11/2025 – O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região sediou, nos dias 6 e 7 de novembro, a 5ª edição das Jornadas Brasileiras de Direito Processual do Trabalho, que reuniu ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST), magistrados(as) de todo o país, juristas, advogados(as), procuradores(as), estudantes de direito, servidores(as) e especialistas. O evento, realizado pela Escola Judicial (Ejud-2) do TRT-2, aconteceu no auditório Juiz Amauri Mascaro Nascimento, no Fórum Ruy Barbosa, em São Paulo-SP, e contou com oito painéis e 23 palestras ao longo dos dois dias. Confira o álbum de fotos.
Na programação, foram abordados assuntos como litigância predatória e reversa, competência da Justiça do Trabalho, sistema de precedentes vinculantes e suspensão de reclamações trabalhistas, execução, segurança jurídica, terceirização e pejotização, provas digitais, entre outros. A abertura foi conduzida pelo presidente do TRT-2, desembargador Valdir Florindo.
Abertura
O magistrado ressaltou a importância da formação contínua e da atualização permanente dos profissionais que atuam na área. “Em cada reflexão, há oportunidades de conhecimento. E cada conhecimento só tem sentido quando nos torna melhores, como profissionais e como pessoas. O ambiente acadêmico nos oferece a possibilidade de exercitar a humanidade intelectual”.
Sobre o tema central do encontro, o dirigente do TRT-2 comentou que o processo do trabalho não apenas dialoga com os usuários, mas os inspira tecnicamente. “É a técnica realmente indispensável. É ela que garante segurança jurídica, coerência institucional e previsibilidade das decisões”.
O presidente do TST, o ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, observou que a jornada é uma oportunidade valiosa de reflexão e atualização para os magistrados. “Será um diálogo profundo, porque nós tratamos aqui de temas muito complicados, para que possamos aperfeiçoar o nosso trabalho, seja como ministro, como juiz ou desembargador”.
Já o ministro do TST e presidente da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (ABDT), Alexandre Agra Belmonte, relembrou a atuação do Direito do Trabalho e do processo do trabalho, que foram pioneiros nos direitos sociais no Brasil, e declarou a necessidade de existir um Código do Processo do Trabalho: “Os trabalhadores precisam de proteção proporcional à atuação deles, ao tipo de trabalho que eles executam”.
Também fizeram parte da mesa de abertura a diretora da Ejud-2, desembargadora Bianca Bastos; o presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e professor da PUC-SP, Cassio Scarpinella Bueno; e o coordenador de processo do trabalho do IBDP e membro da Associação Brasileira de Direito do Trabalho (ABDT), Bruno Freire e Silva.
Primeiro dia do evento: Em que consiste a litigância predatória e reversa no direito contemporâneo e como combatê-la?
O primeiro painel, sob presidência do vice-presidente administrativo do TRT-2, desembargador Antero Arantes Martins, trouxe reflexões do ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho e da desembargadora Bianca Bastos. O dirigente do TST apresentou os diversos tipos de litigância predatória, entre outros conceitos, e analisou como se dá tal comportamento. “A partir do momento em que o processo se torna uma estratégia descolada da disputa pelo melhor direito ou se torna suscetível de manipulação por quem tem mais dinheiro, tornam-se possíveis os primeiros delineamentos da litigância predatória”, afirmou.
A desembargadora Bianca Bastos falou sobre litigância de má-fé, litigância abusiva e predatória e suas distinções; responsabilidade processual, normativos que citam essas práticas; e ainda sobre a situação atual do TRT-2 em relação a esses temas. De acordo com a magistrada, a litigância abusiva ocorre quando há demandas dentro do processo consideradas, por exemplo, artificiais, frívolas, desnecessárias, fraudulentas ou procrastinatórias. Já a litigância predatória seria a litigância abusiva com maior extensão e impacto.
A competência da Justiça do Trabalho, os precedentes do STF e a suspensão de reclamações trabalhistas
A condução do segundo painel foi feita pelo ministro do TST Carlos Alberto Reis de Paula, e reuniu três especialistas, entre eles o desembargador do TRT-4 Francisco Rossal de Araújo, que aprofundou o assunto competências. O palestrante abordou o papel essencial da Justiça do Trabalho na efetivação dos direitos sociais e destacou que defender a competência da Justiça do Trabalho é defender a própria existência dessas garantias. “Quando nós defendemos a competência da Justiça do Trabalho, estamos defendendo o próprio Estado Social e Democrático de Direito”.
O professor Bruno Freire e Silva, jurista e membro do IBDP, analisou criticamente a decisão do STF que havia determinado a suspensão de 212 mil processos trabalhistas relacionados à pejotização. Argumentou que a medida desrespeita a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, pois não considera as consequências práticas para os trabalhadores e para a efetividade da Justiça do Trabalho.
A juíza do TRT-2 Erotilde Ribeiro dos Santos Minharro abordou o tema 1.389 do STF, destacando que o debate ultrapassa a questão técnica da competência da Justiça do Trabalho e envolve o próprio papel do Judiciário na defesa da dignidade da pessoa humana diante das novas formas de trabalho e da liberdade econômica.“O tema 1.389 não se resume a uma discussão de competências; ele representa a defesa da dignidade da pessoa humana e do papel fundamental da Justiça do Trabalho em tempos de novas formas de fiscalização”, afirmou.
Consolidação do sistema de precedentes vinculantes e segurança jurídica
Os(as) integrantes desta mesa, presidida pela desembargadora Sueli Tomé da Ponte, corregedora do TRT-2, concordaram que a adoção de precedentes no sistema jurídico brasileiro foi uma mudança de paradigma em prol da modernização e da busca por mais eficiência na Justiça.
O ministro do TST Aloysio Corrêa da Veiga observou a insegurança trazida por decisões divergentes em casos semelhantes. Apontou a necessidade de uniformização das decisões e criação de teses jurídicas sólidas pelos tribunais superiores com o intuito de diminuir a litigiosidade e mitigar “uma dívida histórica que temos de morosidade na Justiça”. Nesse cenário, disse que a contribuição esperada de advogados(as) é com ética, lealdade e boa-fé.
A ministra Liana Chaib, do TST, concordou que os precedentes visam gerenciar o alto volume de processos e tornar o sistema jurídico íntegro, coerente e estável. Porém, apontou desafios como o de cada magistrado(a) interpretar o precedente a partir de sua própria perspectiva, criando um “looping interpretativo”. Para ela, nem sempre os precedentes pacificam, como no tema da terceirização. “O caso concreto precisa ser bem descrito, sob pena de fracasso de todo o sistema”, afirmou.
O juiz Cesar Zucatti Pritsch, do TRT-19 (AL), reforçou a mudança de mentalidade citada e defendeu que os regionais tenham papel mais ativo na construção dos precedentes. Sugeriu refinamento da coleta de provas desde o 1º grau, “para que os fatos devidamente descritos fundamentem a aplicação ou a distinção dos precedentes”.
Reclamações constitucionais em matéria de terceirização e pejotização julgadas pelo STF
Em mesa presidida pelo ministro do TST Sergio Pinto Martins, o também ministro daquele tribunal Cláudio Mascarenhas Brandão abordou a necessidade de esgotamento das instâncias ordinárias para interposição de reclamação e explicou que esta não cria precedentes, apenas garante o cumprimento de decisões existentes com efeito vinculante. Destacou a importância da “aderência” entre o caso concreto e a tese fixada para aplicação do precedente e demonstrou preocupação com os critérios para a proteção de grupos vulneráveis. “O debate é sobre a invisibilidade de pessoas que não terão trabalho”, disse.
A professora Olívia Figueiredo Pasqualeto apresentou pesquisa feita em 2023 sobre reclamações constitucionais envolvendo terceirização e precarização no STF. O estudo revelou que o assunto “Direito do Trabalho” foi o mais recorrente em 2024 e que as principais discussões ocorreram em decisões monocráticas. Para a palestrante, em muitos casos houve uso incorreto das reclamações constitucionais, alterando sua função. Ela alertou para os riscos da precarização como discriminação, impactos concorrenciais e prejuízos previdenciários.
A advogada Beatriz Montenegro Castelo apontou a “flexibilização promovida pelo Supremo” como fator-chave para o aumento das reclamações. “A grande maioria dos ministros do STF tem dado decisões em descompasso com seus precedentes”, disse. Segundo ela, há uma certa confusão entre concepção de mundo e precedente, o que traz risco de erosão da legalidade e de criação de uma corte discricionária, que se sobrepõe à Constituição Federal. Apresentou, ainda, as consequências negativas da precarização e definiu a pejotização como fraude, defendendo a proteção dos(as) trabalhadores(as).
O CPC e o acesso à ordem jurídica responsável
Apresentado pela diretora da Ejud-2, desembargadora Bianca Bastos, o professor Heitor Vitor Mendonça Sica, em aula magna, indicou a importância de a Justiça Comum aprender com a Justiça do Trabalho em relação à oralidade, efetividade da execução e valorização da autocomposição. Quanto ao acesso responsável à Justiça, abordou quatro eixos: custos do processo, condicionantes para acesso à Justiça, papel da informação, além de incentivos e desincentivos para a autocomposição.
O especialista discutiu, ainda, a gratuidade da Justiça como um benefício essencial, mas que “pode levar à litigância temerária”, e defendeu um controle por parte do(a) juiz(a) nessa concessão, visando desestimular o uso abusivo da medida. Reforçou que “os honorários sucumbenciais podem, sim, desincentivar a litigância”, porém apontou como desvantagem casos de conflito de interesses entre advogado(a) e cliente. Finalizou a exposição reforçando a importância de uma sentença clara, que aponte os caminhos para a execução.
Segundo dia: Provas digitais, saneamento compartilhado, produção antecipada de provas e sua utilidade no processo do trabalho
A mesa presidida pela jurista e professora Isabel Cristina de Medeiros Tormes abriu os trabalhos, com o ministro Alberto Bastos Balazeiro, do TST, destacando os desafios da prova digital no processo trabalhista. Segundo ele, as transformações tecnológicas trouxeram novas formas de produção de provas, o que exige dos magistrados atenção técnica e ética diante do uso de aplicativos, registros eletrônicos e da Lei Geral de Proteção de Dados.
O ministro ressaltou que a busca da verdade real continua sendo o foco da Justiça do Trabalho, mas deve ocorrer com equilíbrio e respeito às garantias processuais.“A ideia da prova digital é uma ideia qualitativa. Porque a prova digital não só proporciona um retrato daquele momento, como, em tese, proporciona um retrato contínuo”.
A juíza da 2ª Região Lorena de Mello Rezende Colnago destacou os desafios da utilização da prova digital, ressaltando a necessidade de equilibrar o avanço tecnológico com o respeito à intimidade do trabalhador e à duração razoável do processo. Segundo ela, a prova digital deve ser analisada com cautela, considerando seu custo, utilidade e impacto na efetividade da prestação jurisdicional, especialmente diante da vulnerabilidade econômica de grande parte dos reclamantes.
Já o juiz do TRT-2 Carlos Abener de Oliveira Rodrigues Filho explicou que o tema da geolocalização na Justiça do Trabalho é apresentado como um ponto de inflexão na produção de provas, comparável ao impacto que o exame de DNA teve na investigação de paternidade. “E isso poderia nos ajudar muito em situações para diminuir dúvidas e questões fáticas numa busca da verdade real”.
Agravo de instrumento, agravo interno e a Resolução 224/2024 do TST
Nesta mesa, presidida pelo professor Daniel Queiroz Pereira, a palestrante Rosana Dalazem Cunha, secretária de gestão de precedentes do TST, analisou a Resolução 224/2024 do TST, destacando sua importância para o equilíbrio entre a estabilidade e a evolução do direito processual do trabalho. Ela explicou que a medida busca racionalizar o fluxo processual, alinhando o sistema trabalhista à cultura de precedentes e à sistemática do Código de Processo Civil. “A Resolução 224 trouxe complexidade, é um fato, mas assegura, ao mesmo tempo, a estabilidade e a evolução do direito”, afirmou.
Sobre o tema, o advogado Jorge Pinheiro Castelo focou na análise das dificuldades e ônus processuais impostos aos operadores do Direito do Trabalho para acessar os tribunais superiores, contrastando o sistema trabalhista com o sistema cível. Ele destacou algumas complexidades, como embargos de declaração e divergência jurisprudencial e concluiu reforçando que o Direito do Trabalho é um direito social fundamental, protegido pela Constituição no capítulo de garantias, e que a dificuldade imposta aos operadores do direito de acessar o TST contraria essa importância constitucional.
O vice-presidente judicial do TRT-2, desembargador Francisco Ferreira Jorge Neto, apresentou a visão prática e os desafios da implementação da Resolução 224 do TST e do sistema de precedentes na gestão dos recursos de revista neste tribunal. O magistrado trouxe também os trabalhos realizados pela Vice-Presidência Judicial.
Medidas atípicas na execução e efetividade processual
Na penúltima mesa, presidida pelo desembargador Homero Batista Mateus da Silva, vice diretor da EJud-2, o professor Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho definiu medidas atípicas como as não previstas em lei, que visam impulsionar a execução. Exemplos: suspensão de CNH, apreensão de passaporte e bloqueio de cartões de crédito. Classificou-as como “medidas coercitivas, não punitivas” e definiu os requisitos para sua aplicação. Sobre a importância desses meios no ramo trabalhista, afirmou: “As medidas executivas atípicas resgatam a essência do processo do trabalho, que é focado na efetividade e na natureza alimentar do crédito”.
A juíza do TRT-2 Soraya Galassi Lambert enumerou os parâmetros para atuação de juízes(as) na execução: celeridade, máxima eficácia das decisões, dignidade da pessoa humana e caráter privilegiado do crédito trabalhista. Sinalizou a necessidade de se esgotarem todos os instrumentos disponíveis, incluindo convênios. E alertou: “As medidas devem ser apropriadas, idôneas, adequadas, necessárias e proporcionais”. Apresentou jurisprudência e apontou a necessidade de equilibrar os interesses das partes.
O ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior destacou o papel da SDI-2 do TST na análise de recursos ordinários, mandados de segurança e conflitos de competência. Reforçou a importância das medidas atípicas e citou a “criatividade do juiz” para definir medidas eficazes e o “ônus argumentativo” do julgador nesses casos. Completou afirmando que as medidas atípicas devem ser usadas em situações extraordinárias, com base em ocultação ou desvio patrimonial, ou em sinais exteriores de riqueza.
Questões polêmicas sobre a execução das ações civis públicas
Por fim, na mesa presidida pelo ministro Augusto César Leite de Carvalho, do TST, o desembargador Wolney de Macedo Cordeiro, do TRT-13 (PB), falou de problemas relacionados às ações coletivas e à liquidação e cumprimento de sentenças nessas ações. Apontou limitações do pragmatismo no processo do trabalho, recorrendo à dogmática para a construção de um sistema que siga os princípios do devido processo legal. Criticou o que chamou de “uso enviesado” de mandados de segurança, ressaltando a importância de um procedimento claro para garantir a efetividade da execução trabalhista.
A procuradora Gisele Santos Fernandes Góes expôs uma visão geral da tutela coletiva, abordando os diversos interesses envolvidos e as responsabilidades do Ministério Público. Mencionou os desafios da “sociedade líquida” atual, que lida com temas como racismo estrutural, assédio moral e sexual, entre outros. E citou decisão do STF que prevê, como regra geral, reversão de verbas aos fundos de amparo ao trabalhador e ao fundo de direitos difusos: “Será que esses fundos no Brasil verdadeiramente amparam o trabalhador?”, questionou.
Finalizando os debates da 5ª edição das Jornadas Brasileiras de Direito Processual do Trabalho, o professor Antonio Galvão Peres enfatizou a importância de que questões comuns prevaleçam sobre as individuais nas ações coletivas, para evitar problemas na execução das sentenças. Defendeu a necessidade de adaptar o procedimento à realidade de cada ação civil pública e de “não fatiar o processo”, mas olhar a ação como um todo.
Fonte: TRT da 2ª Região