A Corte Interamericana de Direitos Humanos não tem tantos casos específicos sobre direito trabalhista quanto outras áreas, mas alguns casos envolvendo o Brasil tocaram em questões relacionadas ao trabalho. Aqui estão alguns exemplos, com foco em temas que se conectam com o direito do trabalho:
Caso Ximenes Lopes vs. Brasil (2006):
Embora o foco principal não fosse o trabalho, esse caso tratou de condições em um hospital psiquiátrico. As condições de trabalho dos funcionários e a falta de recursos para cuidar dos pacientes refletiram em questões de direitos trabalhistas, como condições de trabalho seguras e dignas.
Dentre as determinações da Corte IDH, o governo brasileiro precisou seguir com um programa de treinamento e atualização para médicos, psiquiatras, psicólogos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e todos que trabalham com saúde mental. Esse treinamento focou em como tratar pessoas com deficiência mental, de acordo com as regras internacionais e o que foi definido nesta decisão judicial.
O governo brasileiro deve tomar as seguintes medidas, de acordo com a sentença:
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Publicação: Publicar, em até seis meses, no Diário Oficial e em um jornal de grande circulação, um resumo dos fatos do caso e a decisão final, sem as notas de rodapé (cumprida);
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Custos e Gastos: Pagar, em até um ano, uma quantia para cobrir os custos e gastos do processo, tanto no Brasil quanto no sistema internacional de direitos humanos, que será entregue à senhora Albertina Viana Lopes (cumprida);
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Investigação e Punição: Garantir, em tempo hábil, que o processo para investigar e punir os responsáveis pelos fatos do caso seja efetivo (descumprida);
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Indenização: O governo foi obrigado a pagar, em até um ano, uma indenização em dinheiro para Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes Miranda, a título de indenização por dano material e por dano imaterial, além das custas do caso (cumrpida).
Sentença disponível aqui.
Relatório do Caso Ximenes Lopes vs. Brasil.
Caso da “Fazenda Brasil Verde” (2016):
Embora o caso trate sobre trabalho escravo, ele está diretamente ligado ao direito do trabalho. A Corte condenou o Brasil por não combater efetivamente o trabalho escravo em uma fazenda.
O caso trata de pessoas exploradas em trabalho forçado e presas por dívidas na Fazenda Brasil Verde, no Pará. Além disso, o governo falhou em evitar e responder às violações de direitos humanos que ocorreram ali. A decisão da Corte (tribunal) explica o que é proibido sobre escravidão e trabalho forçado e o que o governo deve fazer para proteger as pessoas. A Corte também avaliou se o governo agiu com cuidado e se a justiça foi feita de forma eficaz.
O governo brasileiro precisa tomar as seguintes medidas, de acordo com a sentença:
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Investigações e Processos: Retomar, com urgência, as investigações e processos criminais sobre os fatos ocorridos em 2000, visando identificar, julgar e punir os responsáveis. Se necessário, o processo de 2001 deve ser reaberto (parcialmente cumprida);
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Imprescritibilidade: Garantir que o crime de escravidão e formas semelhantes não prescreva, ou seja, que não perca a validade com o tempo (pendente de cumprimento);
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Indenizações: Pagar as indenizações por danos morais e reembolsar custos e gastos, conforme determinado na sentença (parcialmente cumprida);
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Publicações: Publicar as informações determinadas pela sentença dentro de seis meses (cumprida);
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Custos e Gastos: Reembolsar custos e gastos conforme estabelecido (cumprida).
Sentença disponível aqui.
Caso “Trabalhadores da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e seus familiares vs. Brasil” (em andamento):
Este caso, que ainda está em análise, aborda questões de segurança e saúde no trabalho. Trata da responsabilidade do Brasil por violar direitos humanos na explosão da fábrica de fogos em Santo Antônio de Jesus, Bahia. A explosão causou a morte de 60 pessoas e ferimentos em outras seis, além de afetar 100 familiares das vítimas. A Corte IDH decidiu que o Brasil violou o direito à vida, à integridade física, ao trabalho justo, os direitos das crianças, a igualdade, a não discriminação, a proteção legal e o direito a um julgamento justo.
O governo brasileiro deverá tomar as seguintes medidas, de acordo com a Sentença:
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Justiça: Continuar com o processo criminal para julgar e punir os responsáveis pela explosão (pendente de cumprimento);
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Indenizações: Prosseguir com as ações civis e trabalhistas, buscando finalizar os processos e pagar as indenizações devidas (pendente de cumprimento);
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Saúde: Oferecer tratamento médico, psicológico e psiquiátrico gratuito às vítimas que precisarem (pendente de cumprimento);
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Divulgação: Publicar informações sobre o caso e produzir materiais para rádio e televisão (pendente de cumprimento);
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Reconhecimento: Realizar um ato público reconhecendo a responsabilidade do Brasil pelo ocorrido (pendente de cumprimento);
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Fiscalização: Inspecionar regularmente as fábricas de fogos de artifício (pendente de cumprimento);
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Legislação: Informar sobre o andamento de um projeto de lei sobre o tema (pendente de cumprimento);
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Desenvolvimento: Criar um programa para ajudar os trabalhadores da área de fogos a encontrar outros empregos e desenvolver novas atividades econômicas (pendente de cumprimento);
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Direitos Humanos: Apresentar um relatório sobre como estão sendo aplicadas as diretrizes de direitos humanos para empresas (pendente de cumprimento);
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Pagamentos: Pagar as indenizações por danos materiais, morais, além de custos e gastos processuais, conforme determinado na sentença (pendente de cumprimento).
Sentença disponível aqui.
Relatório para a implementação da sentença interamericana no caso dos(as) empregados(as) da Fábrica de Fogos Santo Antônio de Jesus vs. Brasil.
Relatório do Caso das(os) Empregadas(os) da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e seus familiares Vs. Brasil.
Caso Dos Santos Nascimento e Ferreira Gomes vs Brasil
Em 26 de março de 1998, duas mulheres negras, Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira Gomes, foram à empresa de seguros médicos NIPOMED, em São Paulo, para se candidatar a uma vaga de pesquisadora. A vaga havia sido anunciada em um jornal.
No entanto, o recrutador M.T. se recusou a entrevistar ou fornecer um formulário de inscrição para elas, dizendo que as vagas já estavam preenchidas.
No mesmo dia, uma mulher branca chamada I.C.L. se candidatou ao mesmo cargo e foi contratada imediatamente. O recrutador disse a ela que havia muitas vagas e pediu que ela indicasse “mais pessoas como ela”.
No dia seguinte, Gisele Ana Ferreira Gomes voltou à empresa. Outro recrutador disse que ainda havia vagas e permitiu que ela preenchesse um formulário. Ele prometeu entrar em contato, mas nunca o fez.
Neusa, Gisele e I.C.L. tinham o mesmo nível de estudo e experiência como pesquisadoras. Elas já haviam trabalhado juntas em um projeto para o governo do estado de São Paulo.
A Corte IDH observou que pessoas negras no Brasil sofrem discriminação racial e racismo institucional, o que dificulta o acesso ao trabalho e à justiça. Essa situação coloca essas pessoas em grande risco de ter seus direitos violados. Além disso, Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira Gomes enfrentavam outras dificuldades, como ser mulheres e ter poucos recursos financeiros, o que aumentou a discriminação que sofreram.
As duas mulheres foram discriminadas por serem negras, mulheres e pobres. A Corte também notou que a desigualdade de poder no ambiente de trabalho contribuiu para a vulnerabilidade delas.
Diante da denúncia de racismo no trabalho, as autoridades deveriam ter investigado o caso com cuidado e em tempo hábil, considerando a discriminação racial que as mulheres enfrentavam. No entanto, a Corte constatou que as autoridades não agiram para combater a discriminação, e ela continuou presente em todo o processo.
O resumo da sentença determina que o Estado deve cumprir as seguintes medidas:
- Oferecer atendimento psicológico e/ou psiquiátrico às vítimas que solicitarem.
- Realizar as publicações determinadas;
- Promover um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional.
- Adotar um protocolo de investigação com perspectiva interseccional de raça e gênero em casos de racismo no estado de São Paulo;
- Incluir conteúdos sobre discriminação racial nos currículos de formação do Poder Judiciário e do Ministério Público do Estado de São Paulo;
- Assegurar que o Poder Judiciário notifique o Ministério Público do Trabalho sobre supostos atos de discriminação racial;
- Implementar um sistema de compilação de dados sobre processos judiciais, especificando raça, cor e gênero dos envolvidos;
- Incentivar empresas a adotarem medidas para prevenir a discriminação em processos de contratação de pessoal, com foco em mulheres afrodescendentes;
- Efetuar o pagamento das quantias determinadas a título de compensação e reembolso de custas e gastos;
Todas as ações listadas acima estão pendentes de cumprimento.
Sentença disponível aqui.
Resumo oficial emitido pela Corte Interamericana.
Observações
É importante lembrar que a Corte Interamericana geralmente não julga casos puramente trabalhistas. Ela foca em violações de direitos humanos que envolvem o trabalho, como trabalho escravo, condições de trabalho degradantes, falta de segurança e saúde no trabalho, discriminação.
A lista acima pode não ser exaustiva, mas representa os casos mais relevantes que envolvem o Brasil que tocam em questões trabalhistas.